Em entrevista, Alcides Rocha, Consultor de Banking da Cubos, fala sobre fintechs, open banking, inclusão e tendências do mercado financeiro.

A tecnologia mudou a relação com o dinheiro. A forma de comprar mudou, a forma de pagar mudou e o atendimento também. Hoje temos chats online e não precisamos nos deslocar até uma agência e esperar horas na fila.

Uma pesquisa da Febraban de 2019 apontou que 6 em cada 10 transações bancárias são realizadas pelo celular ou pelo computador, enquanto o número de transações nos canais tradicionais caiu. Como os bancos tradicionais encaram essa mudança? E como ficam as fintechs?

Para entender melhor o cenário de transformação digital bancária, entrevistamos Alcides Rocha, Consultor de Banking da Cubos, que possui sólida experiência em instituições financeiras nacionais e internacionais e já esteve no comando de bancos e empresas. Confira!

Como a transformação digital afeta o mercado e o modelo de negócio dos bancos tradicionais?

O avanço da tecnologia possibilitou as mudanças. Antes não tínhamos ferramentas para fazer o que se desejava. A tecnologia ficou mais barata e mais segura e abriu caminhos para que empresários alavanquem os negócios. Os empresários são geradores de oportunidades e novos negócios. Eles criam modelos de negócios totalmente inéditos e os órgãos reguladores se mexem para que aquilo que foi criado se torne legal. A força veio do empreendedor que enxergou oportunidades de negócio na tecnologia e tem forçado os governos a regular as leis.

Com o surgimento das fintechs,  quais são as estratégias que os bancos tradicionais estão adotando para fazer frente à concorrência?

As estratégias de todos são iguais. Eles mantêm os negócios rodando, enxugando a estrutura, reduzindo as agências, focando em alguns negócios e compram empresas digitais para fazer parte do grupo. Não mudam o motor principal porque os sistemas são complexos e antigos, levaria muito tempo para mudar. Mas é uma tendência que o digital cresça. Ao mesmo tempo, os bancos tradicionais têm custos muito altos, com agências, com pessoas, com toda a estrutura. Então eles vão enxugando o core e investindo nas empresas digitais até que isso se inverta.

Um levantamento apontou que cerca de um terço das instituições de EUA, Europa e Austrália já era capaz de fornecer grande parte de seus produtos por meio de plataformas digitais em 2018. Como é esse cenário no Brasil? Os bancos aqui já oferecem seus produtos em plataformas digitais de maneira satisfatória ou ainda temos muito o que avançar?

Oferecem, mas ainda tem muito espaço. O sistema financeiro brasileiro é um dos melhores do mundo, é muito organizado. Com a alta inflação, aprendemos a ser criteriosos, a ter eficiência e evoluir. Então as soluções bancárias são boas, estão entre as melhores do mundo. Mas tem muito o que avançar nas vertentes laterais que falei anteriormente. A agência clássica tende a desaparecer, a ser uma ou duas por cidade.

Em 2018, 96,1% dos brasileiros preferiam pagar com dinheiro, hoje são cerca de 70%. Esse número ainda é alto e um dos motivos para isso é a quantidade de pessoas desbancarizadas. Esse é um mercado potencial para as fintechs e para os bancos tradicionais? Como eles podem aproveitar isso?

É uma questão de tempo. Com o tempo, a tendência é não usar mais cartão, como acontece na China. O Banco Central e os bancos menores podem acelerar esse processo. O Brasil tem um gap grande porque não há investimento em educação, então não é algo apenas sobre os bancos, mas uma complexidade da sociedade.

A falta de educação impacta no tempo de mudança das coisas. Não é fácil. O Banco Central e a Febraban têm investido em educação financeira, por exemplo, mas é algo difícil e que vamos colher os resultados daqui a muitos anos. Se hoje a Coreia do Sul tem grandes empresas, é porque ela tem um histórico de 50, 60 anos de investimento em educação.

É uma questão mais ampla, mais complexa e mais demorada... Como você enxerga o papel das instituições financeiras nesse cenário?

Sim, é complexo. Todo mundo tem que auxiliar na transmissão de informação para a população, inclusive no âmbito pessoal. A educação muda o país. Só fazemos um bom país com pessoas bem informadas que questionam as coisas. O que não é rápido, vai levar muitos anos. Então as empresas também têm responsabilidade. A empresa tem que lucrar, mas tem que ter um propósito.

O que a tecnologia oferece é a facilidade. Ela acelera essa melhoria. Isso é uma coisa excelente da tecnologia. Hoje, todos podem acessar educação de forma online. Com um clique, eu leio informações do mundo todo, por exemplo. Mas ainda temos milhões de pessoas no país que não sabem o que é internet, que não têm sequer energia elétrica. Então precisamos de infraestrutura e informação para que o mercado seja mais justo. É aí que as fintechs encontram espaço para quebrar barreiras, quando facilitam a vida das pessoas, quando facilitam os processos.

O que a tecnologia oferece é a facilidade. Ela acelera essa melhoria. Isso é uma coisa excelente da tecnologia.

Apesar da expansão, a maioria das fintechs ainda não ocupa tanto espaço de mercado. Por quê? O que é preciso para que elas ganhem mais espaço?

Também é uma questão de tempo. A mudança de hábito precisa do tempo de adaptação das coisas. Leva tempo para as pessoas confiarem nas ferramentas. Muitas pessoas ainda não compram pela internet, por exemplo. Mas aí uma pessoa utiliza, então conta para a outra e isso vai se fortalecendo. O que o governo pode fazer é adotar medidas para que tenhamos mais empresas fazendo isso. O Banco Central tem esse objetivo de facilitar o acesso ao crédito, de ter taxas e juros menores. Aí surgem as fintechs. Quanto mais concorrência, melhor. Podemos ter produtos melhores e mais baratos.

Sobre aumento de concorrência, alguns analistas dizem que em breve não haverá espaço para tantas fintechs e que deve haver um processo de consolidação, enquanto outros dizem que ainda há espaço para expansão. Como você vê isso?

Ainda há espaço para expansão, mas é natural que haja fusão depois de um tempo. Como Peter Drucker diz, “as árvores não crescem até o céu”. O crescimento exagerado faz parte da humanidade. Assim a gente evolui. Depois, o mercado se regula, se organiza. Algumas empresas quebram, algumas menores são compradas por outras maiores. É o que acontece com qualquer negócio.

O open banking já é realidade em outros países, mas começou a dar os primeiros passos no Brasil recentemente. Como o mercado brasileiro vê o open banking? Como as organizações estão se preparando para isso?

Na mesma linha do que acontece em relação às fintechs. Sempre existe espaço para a pessoa criativa e empreendedora. Ter 20% da população desbancarizada é um problema, mas também é uma oportunidade. Então sou otimista em relação ao open banking. Faz parte do processo para crescermos, senão o mundo não evolui. As taxas ainda são altas, ainda temos muitas pessoas desbancarizadas... Tem espaço aqui.

Sempre existe espaço para a pessoa criativa e empreendedora. Ter 20% da população desbancarizada é um problema, mas também é uma oportunidade.

Para você, quais são as principais tendências da transformação digital bancária para os próximos anos?

Possibilitar a inclusão de pessoas desbancarizadas. A digitalização e a automação já estão aqui. Temos tecnologia confiável disponível. O desafio agora é saber como eu levo isso para as pessoas. Não adianta termos uma solução, se as pessoas não usam. Então como eu chego nas pessoas que não têm essa solução? É algo que extrapola a tecnologia. É uma ponta do negócio. Chegar, comunicar e fazer a pessoa se sentir confortável para usar é o desafio.

Não adianta termos uma solução, se as pessoas não usam. Então como eu chego nas pessoas que não têm essa solução?

E você tem alguma pista de como podemos fazer isso?

Sinceramente, eu não sei qual o caminho. Acredito que passa pelo trabalho de flexibilizar o cadastro, de tornar os processos mais simples, de possibilitar o empréstimo entre pessoas físicas, que já é algo que existe. Eu não sei o que mais é necessário além disso. Acho que temos aí uma oportunidade para o open banking e para as fintechs.

Que recado final você gostaria de deixar?

O mercado financeiro só vai ser mais forte quando todos participarem. Quando tivermos mais concorrência, mais open banking, mais fintechs e todas as pessoas participando. É impossível termos uma sociedade forte com pessoas excluídas. Quando incluímos, acabamos com o mercado lateral ilegal, a agiotagem, por exemplo. Precisamos de mais empreendedores financeiros que criem problemas para resolvermos, que tenham ideias, que identifiquem brechas. Assim podemos ter um sistema mais forte e com mais pessoas participando. Ou temos um mundo mais justo ou o futuro não se sustenta.

O mercado financeiro só vai ser mais forte quando todos participarem. Quando tivermos mais concorrência, mais open banking, mais fintechs e todas as pessoas participando. É impossível termos uma sociedade forte com pessoas excluídas.

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