Victor Tavares começou a programar na faculdade. Fez intercâmbio, trabalhou como desenvolvedor iOS e liderou diferentes projetos até se tornar CTO da Aarin, startup que atua com pagamentos comerciais por meio do PIX. Na entrevista a seguir, ele conta um pouco sobre sua trajetória, dá dicas de carreira e fala sobre o mercado de tecnologia financeira.

Conta pra gente um pouco sobre sua trajetória. Como você chegou à posição de CTO?

Sou formado em Ciência da Computação pela Ufba e comecei a programar na faculdade mesmo. Nessa época, trabalhei em dois lugares diferentes como estagiário e fiz um intercâmbio nos Estados Unidos pelo Ciência Sem Fronteiras. Lá, colaborei com estudantes de ecologia no desenvolvimento de um aplicativo de redução de impacto ambiental por meio de um diário de energia.

Entrei na Cubos em 2016 para atuar como desenvolvedor iOS. Comecei em um projeto sueco de desmonte de usina, que foi uma experiência muito legal. Em seguida, participei de vários projetos diferentes. Nessa época, com a empresa bem menor, cada desenvolvedor mobile pegava 3 a 4 projetos em paralelo, era uma loucura.

Com essas experiências, comecei a liderar alguns projetos para empresas como Esporte Clube Bahia e FitDance, entre outros. E ainda continuava programando. Foi uma experiência muito interessante.

O último projeto que liderei na Cubos foi o BBNK, que é uma plataforma white label de banking. Com o Projeto Fênix, surgiu a oportunidade de atuar como CTO na Aarin. Eu já vinha conversando com a Diretora de Operações sobre meu interesse de me desafiar em um projeto novo, no qual eu pudesse sair da zona de conforto, tomar decisões e definir tecnologias.

Na Cubos, pude lidar com clientes de perfis e tamanhos diferentes, tocar projetos muito diferentes, acompanhar a criação de processos e ter contato com outros CTOs, aprendendo com seus pontos fortes e com seus erros. Tudo isso foi fundamental para o meu desenvolvimento.

Quais são seus maiores desafios hoje?

Em uma startup Early Stage* como a Aarin, todo mundo precisa colocar a mão na massa, atuar no operacional. Como líder nos últimos anos, tinha bastante tempo que não programava, então tive que retomar a bagagem que tinha como desenvolvedor, voltar a estudar e programar.

Eu já estava mais confortável com a parte de gestão. O desafio maior tem sido atuar como desenvolvedor sênior, programando, e também como CTO, analisando o que está sendo feito, definindo arquitetura, entre outras atividades.

Outro desafio é aprender a lidar com investidores, que é diferente de lidar com outros stakeholders que costumava tratar como líder de projeto. As expectativas são diferentes.

* Startup Early Stage: empresa recém-criada que está em seu estágio inicial.

Como é sua rotina como CTO?

Reservo parte do meu tempo para programar, geralmente pela manhã. Bloqueio na agenda mesmo, exceto por algumas reuniões. Além disso, participo dos dailies* de todas as equipes para saber o que está acontecendo. Às tardes, costumo participar de reuniões comerciais, com investidores e com a área de produto para tomada de decisões. A revisão das atividades de outros desenvolvedores também faz parte da minha rotina.

* Daily: reunião diária rápida de alinhamento que faz parte da metodologia Scrum.

Como você vê o papel do CTO nas organizações hoje?

Depende muito do tamanho da empresa. Em uma startup como a Aarin, o CTO é muito operacional e oferece suporte nas decisões técnicas do dia a dia. Quando começa-se a estruturar uma equipe, ele também participa do recrutamento e seleção. É uma posição que se assemelha à de Tech Leader de certa forma.

Conforme a empresa cresce, a posição do CTO ganha mais responsabilidades de gestão, de definição de rumos que a empresa quer tomar, de motivação de equipe e de decisões mais macro de produto. Então eu diria que o CTO vai evoluindo junto com a empresa, de um papel mais técnico para um mais ligado à gestão.

Quais conselhos de carreira você daria para quem pensa em trilhar esse caminho?

Veja-se como desenvolvedor além da tecnologia. Muitos profissionais pensam apenas em saber a tecnologia x, conhecer o banco de dados y, apenas a parte técnica. É preciso olhar para outras skills além de programação.

Tanto para ser CTO quanto para se tornar tech leader, é preciso entender de produto. Ter conhecimentos de gestão e soft skills também. Conhecer as tendências de mercado, entender o negócio em que está inserido e propor ideias e soluções fazem você evoluir profissionalmente.

Recentemente, tivemos o lançamento do PIX e estamos em preparação para o Open Banking. Diante desse cenário, quais as suas previsões para os próximos anos em relação à tecnologia no mercado financeiro brasileiro?

O mercado financeiro é uma das últimas fronteiras que estamos quebrando com a tecnologia. As ferramentas de banking foram pensadas para os modelos de banco de anos atrás. Isso está mudando e vai mudar ainda mais.

O PIX promove mudanças nesse modelo, com os benefícios que levaram as pessoas a migrar para as fintechs. Isso gera mais democratização do mercado financeiro, proporciona novos modelos de negócio e muda até a forma como as pessoas interagem com o dinheiro. É um processo que já aconteceu na China há algum tempo e vai acontecer no Brasil também.

O Open Banking é um negócio espetacular. A área de crédito vai ser uma das mais impactadas por essa mudança. O relacionamento, que hoje é utilizado para fornecer crédito, nada mais é que o histórico de uma pessoa. Com o compartilhamento desse histórico, podemos ter mais concorrência, taxas melhores. Isso vai exigir um esforço de mudança nos bancos, que vão precisar expor e consumir APIs de outros bancos. Vai ser um desafio imenso.

Mesmo com o crescimento das fintechs, há bastante espaço para empresas atuarem. No B2B, como a prestação de serviços para fintechs que já existem e estão nascendo, existem muitas oportunidades. A meu ver, o B2C está um pouco saturado, mas ainda há espaço para outras coisas além das contas digitais.

Open banking e PIX devem mudar bastante o mercado. Estou curioso para saber como o mercado vai se adaptar.

E com a aprovação da LGPD, qual a responsabilidade dos profissionais de tecnologia?

Ainda é algo muito recente. As empresas estão se adaptando. Do ponto de vista técnico, tem seus desafios, principalmente para sistemas já existentes e negócios menores. É preciso adaptar todos os sistemas do ponto de vista técnico, garantir anonimato nos dados e outras questões. Nós [a Aarin] que já nascemos com a LGPD, pensamos nisso desde o começo, faz parte do negócio.

Como você enxerga a responsabilidade dos CTOs em relação à diversidade nas empresas?

Como CTOs, temos responsabilidade com a diversidade desde o momento de recrutamento de profissionais, que é algo mais interno. Precisamos tornar as empresas mais diversas, principalmente na área de tecnologia, que ainda é majoritariamente masculina. E isso vem desde a infância, com meninos sendo mais estimulados a brincar de montar e desmontar coisas, por exemplo, e meninas não sendo estimuladas a ir para a área de computação. Temos a responsabilidade de tornar o ambiente de tecnologia mais diverso como um todo e isso passa por ações afirmativas, como a da Magazine Luiza recentemente.